Sobre o “”Maníaco do Parque” – Entrevista: ‘Voltará a matar’, diz promotor que conseguiu condenação do Maníaco do Parque sobre provável soltura em 2028

 


Condenado a quase 285 anos de prisão por matar sete mulheres e estuprar mais de uma dezena, o motoboy Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, de 56 anos, deve ser solto em 2028, quando cumprirá o tempo máximo de encarceramento permitido pela lei na época em que foi julgado, que era de 30 anos. O promotor que o acusou no Tribunal do Júri, Edilson Mougenot Bonfim, acredita que ele voltará a matar mulheres caso seja solto. “Francisco é psicopata. Não existe, na medicina mundial, remédio, tratamento ou cirurgia que possa curá-lo”, destacou Bonfim em entrevista ao GLOBO.

Hoje procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Bonfim é autor do livro “O julgamento de um serial killer: o caso do Maníaco do Parque”, onde detalha como ocorreu a condenação de um dos criminosos mais notórios do Brasil. Bonfim, que é também fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais (EAECC), defende a implementação da prisão perpétua no Brasil para casos como o de Francisco. “Das dez nações mais ricas do mundo, apenas o Brasil não possui esse tipo de sentença”, afirma.

Veja os principais trechos da entrevista.

O Maníaco do Parque deve ganhar liberdade em 2028, quando ele atingirá o tempo máximo de cumprimento de pena. Não é perigoso soltá-lo sem progressão de regime?

A liberdade dele representa um enorme risco. Tanto faz se ele sairá com ou sem progressão de regime. Ele será um perigo para a sociedade em qualquer circunstância. Tenha certeza: o Francisco corre sério risco de cometer novos delitos tão logo saia da penitenciária. Só em um sonho maluco e fantasioso alguém poderia acreditar que esse assassino poderia se reabilitar com progressão de pena. Que ilusão absurda! A psiquiatria mundial é unânime ao afirmar que indivíduos como ele não respondem a nenhum tipo de tratamento. Não existe remédio ou terapia eficaz para casos como o de Francisco. Ele continuará sendo uma ameaça enquanto estiver vivo. É por isso que defendo que ele permaneça preso para sempre, tanto para proteger a sociedade quanto a ele mesmo. Veja o que aconteceu com o Bandido da Luz Vermelha e o Pedrinho Matador: ambos foram assassinados após ganharem a liberdade.

Sem progressão de regime, ele poderá sair sem fazer exames criminológicos?

Somente um psiquiatra completamente irresponsável assinaria um laudo atestando ao juiz da execução da pena que Francisco de Assis está apto a viver em liberdade. Estamos falando de um serial killer com transtorno de personalidade antissocial, o nome moderno para a antiga psicopatia. Não há remédio, tratamento ou cirurgia. Ele é imutável. Infelizmente, Francisco morrerá da mesma forma que sempre viveu: como um indivíduo de periculosidade latente.

O senhor acredita que Francisco voltará a matar quando for solto?

Certamente. Ele tem uma predisposição para matar mulheres. Na penitenciária, está confinado com homens, o que impede que cometa feminicídio nesse ambiente. No entanto, assim que sair, ele inevitavelmente terá contato com mulheres, o que pode reativar sua personalidade homicida. Repito: ele não está curado nem redimido.

E quanto aos crimes de estupro?

O fio condutor dos crimes de Francisco é sua sexualidade mal resolvida. O sexo era central nos crimes que ele cometia, o que fica evidente nas tentativas de estupro. As vítimas sobreviventes relataram que ele não conseguia ter uma ereção completa e, como consequência, projetava essa frustração nas vítimas, espancando-as. Sua sexualidade é tão complexa que, apesar de confessar o assassinato de nove mulheres, ele nunca admitiu ter se relacionado com homens e uma travesti, mesmo que essas testemunhas tenham feito essa alegação no inquérito. Confessar homicídios em série é a maior transgressão moral, mas, curiosamente, ele se recusou a admitir os relacionamentos homoafetivos, como se isso fosse algo ainda pior. Não vou me aprofundar nesse tema, pois a sexualidade é um campo complexo e cheio de variáveis.

Ele confessou ter matado nove mulheres, mas foi condenado por sete assassinatos. Por que as outras duas vítimas ficaram de fora?

Embora houvesse nove corpos no Parque do Estado, a polícia não conseguiu ligar diretamente a confissão a dois deles. Para que alguém seja acusado de um crime, não basta apenas a confissão: é necessário que ela seja corroborada por provas. Sem essa confirmação, a confissão isolada não tem valor legal, pois uma pessoa pode confessar algo que não fez para proteger outra.

É possível que ele tenha matado mais mulheres?

Sim, é possível. A vida delituosa do Francisco vem de longa data, e o perfil criminógeno dele nos faz crer que outros crimes possam ter sido praticados, sem que saibamos quais. No entanto, a Justiça não trabalha com possibilidades, mas sim com probabilidades e, posteriormente, com juízo de certeza. Para que Francisco fosse acusado por mais mortes, seria necessário mais do que suspeitas: seriam precisos indícios claros de sua autoria em outras mortes, o que não tínhamos.

Passadas quase três décadas, como o senhor avalia a pena de 285 anos dada ao Maníaco do Parque?

Essa sentença ilustra a distância entre a linguagem jurídica e realidade prática, entre a possibilidade e a verdade. Ninguém vive 285 anos para cumprir integralmente uma pena, nem 120, 130, 150. O único efeito prático de uma sentença tão longa é impedir que o condenado tenha progressão de regime. O Francisco vai passar 30 anos da vida em regime fechado, sem direito a saídas temporárias, semiaberto ou aberto. Em termos práticos, tanto faria se a pena fosse de 250 ou 500 anos. Infelizmente, o Brasil não tem prisão perpétua, pois, se tivesse, seria mais adequada para casos como o dele.

O senhor defende a implementação da prisão perpétua no Brasil?

Sim, defendo. Entre as dez nações mais ricas do mundo (Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, Índia, Reino Unido, França, Brasil, Itália e Canadá), o Brasil é o único país que não tem prisão perpétua. É uma lacuna em nosso sistema penal.

Mas o Brasil está preparado para implementar a prisão perpétua?

Não se trata de avaliar se o país está preparado ou não. Diria que o Brasil está preparado porque há criminosos que merecem permanecer presos pelo resto da vida. O Francisco é um desses casos.

Mas a Justiça tem errado…

O erro faz parte da natureza humana. Não deixamos de dirigir por medo de um acidente causado por outro motorista, ou de fazer uma cirurgia necessária por medo de erro médico. Da mesma forma, não devemos deixar de implementar a prisão perpétua por causa de erros passados. Afinal, não estamos falando de pena de morte.

Ele disse que matava porque uma força demoníaca tomava conta dele…

Ele sempre buscava culpados para terceirizar seus crimes. Primeiro, disse que uma tia o abusou sexualmente e que isso o transformou em um assassino em série. Depois, afirmou que um pedaço de pau entrou em sua orelha e o afetou. Por último, veio com essa história de que o assassino era o demônio. E quem prende o demônio?

Você assistiu ao filme sobre o Maníaco do Parque? O que achou?

O filme é baseado em fatos reais, ou seja, é uma versão ficcionalizada dos fatos. Eu, que trabalho com a realidade crua e sem romantizações, entendo a criação da personagem da jornalista fictícia para colocar uma mulher no centro da narrativa. No entanto, vou me abster de fazer uma análise crítica detalhada. Pelo menos o filme não é maçante. Ainda assim, eu preferiria que fosse mais realista e menos ficcional. Gostaria de ter visto mais questionamentos sobre a sanidade mental de Francisco. Achei também que o filme mostraria as mulheres que recusaram o convite dele para ir ao parque, destacando como elas se protegeram. O ponto mais relevante da obra, contudo, é trazer à tona a discussão sobre a possível soltura dele em 2028. Apesar de isso não ter sido abordado no filme, é um tema importante que está na agenda. Será que a nossa legislação está errada?

COM INFORMAÇÕES O GLOBO

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